Se você quer voltar no tempo, numa das mais antigas celebrações religiosas do Brasil, pode marcar na agenda: é na segunda semana de agosto. A celebração acontece na lendária e histórica cidade de Cachoeira, berço da Independência da Bahia, e chama-se Festa da Irmandade da Boa Morte.
É uma celebração à ancestralidade, quase bicentenária, comemorada há exatos 198 anos no Recôncavo Baiano, na cidade de Cachoeira, a 107 quilômetros de Salvador.
A festa da Irmandade da Boa Morte é uma das celebrações mais ritualísticas e sincréticas na Bahia, reunindo milhares de pessoas que percorrem as ruas na cidade histórica, relembrando a luta de mulheres negras no período colonial do Brasil e a sua emancipação como entidade religiosa.
Na cidade, que fica às margens do Rio Paraguaçu, pode-se não só apreciar o turismo arquitetônico com o casario dos séculos XVII, XVIII e XIX, mas também tomar um banho de religiosidade ancestral, com a Festa da Boa Morte.
E de quebra, se tiver um tempo, dar um passeio de barco ou saveiro pelas águas do Rio Paraguaçu em direção às pequenas localidades ribeirinhas, como Nagé e Coqueiros ou até mesmo ir à vizinha cidade de Cachoeira. Na volta um prato de maniçoba (espécie de feijoada com a folha da mandioca), uma cachaça ribeirinha, e muito samba.
Por isso, mesmo, estando em Salvador vale a pena dar uma esticadinha de pouco mais de uma hora para a cidade de Cachoeira em qualquer um dos dois (ou mais) entre 13 e 17 de agosto e conhecer mais um pouco dessa história e suas mulheres lindas e guerreiras.
A cidade é tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) e é formada por ruas calçadas com paralelepípedos , e cercada por casarios coloniais que ainda guardam as riquezas dos séculos XVIII e XIX.
Cachoeira também é considerada um símbolo da luta pela Independência da Bahia, em 02 de julho de 1823, e anualmente é transformada na capital do Estado. É ligada à vizinha e cidade-irmã de São Felix, pela ponte rodo- ferroviária D. Pedro II. A ponte, de 365 metros, foi construída em julho de 1885 e passa sobre o Rio Paraguaçu.
A festa – Um dos principais momentos da festa da Boa Morte acontece logo no primeiro dia, quando as integrantes da irmandade (só mulheres negras), em vez do preto, se vestem de branco para reverenciar as irmãs falecidas. Elas saem em procissão carregando a imagem postada sobre um andor rumo a Igreja Matriz de Nossa Senhora do Rosário.
No segundo dia já com a imagem de Nossa Senhora da Boa Morte, as irmãs saem da sede da Irmandade em procissão noturna, carregando velas, entoando cânticos proferidos durante o percurso fazendo menção à dormição de Nossa Senhora.
O dia 15 de agosto é dedicado a Nossa Senhora da Glória, com nova procissão saindo pela manhã e acompanhada por filarmônicas locais. Levam flores, carregam o andor de Nossa Senhora da Glória até a Igreja Matriz, onde uma missa é celebrada, e quando acontece a transferência dos cargos, com posse da nova comissão de festa. A festa de prolonga até o dia 17, com muito samba de roda e uma farta ceia durante os cinco dias de festa.
A manifestação é uma das mais ricas do religiosismo sincrétimo baiano. Segundo historiadores, a Irmandade surgiu das mulheres adeptas à confraria de Nossa Senhora da Boa Morte, que teria sido fundado no início do século XIX, através do primeiro candomblé keto de Salvador.
A partir de 1820, a associação religiosa de mulheres negras e mestiças que descendem e representam a ancestralidade dos povos africanos escravizados e libertos, no Recôncavo do Estado, teria se expandido para o município de Cachoeira, hoje local onde mais se preserva seu ritual público e secreto.